Paulo Freire. Revista de Pedagogía Crítica
Año 16, N° 20, Julio – Diciembre 2018
ISSN 0717 – 9065 ISSN ON LINE 0719 – 8019
pp. 167 - 179

LA PEDAGOGÍA HISTÓRICO-CRÍTICA, EL CONTEXTO DE SU SURGIMIENTO Y SUS BANDERAS DE LUCHA

A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA, O CONTEXTO DE SEU SURGIMENTO E SUAS BANDEIRAS DE LUTA

THE HISTORICAL-CRITICAL PEDAGOGY, THE CONTEXT OF ITS DEVELOPMENT AND ITS FLAGS OF FIGHT

Paulino José de Orso*

 

Resumen
En este artículo, partiendo del supuesto de que la Pedagogía Histórico-Crítica se constituye en la principal teoría pedagógica contra hegemónica existente en la actualidad, nos proponemos a rescatar el contexto en que ella surgió, así como, explicitar tanto aquello que ella combate, como lo que defiende.

Palabras-Claves: Educación; Historia de la Educación; Pedagogía Histórico-Crítica

Resumo
Neste artigo, partindo do pressuposto de que a Pedagogia Histórico-Crítica se constitui na principal teoria pedagógica contra hegemônica existente na atualidade, nos propomos a resgatar o contexto em que ela surgiu, bem como, explicitar tanto aquilo a que ela combate, como o que ela defende.

Palavras-Chaves: Educação; História da Educação; Pedagogia Histórico-Crítica


* Doctor en Historia y Filosofía, Universidad de Campinas; Grupo de Pesquisa em História, Sociedade e Educação no Brasil; paulinorso@uol.com.br.
Fecha de Recepción: 15 septiembre 2018
Fecha de Aceptación: 30 noviembre 2018


Abstract
In this article, starting from the assumption that Historical-Critical Pedagogy constitutes  the main pedagogical theory against hegemonic existing in the present time, we propose to rescue the context in which it arose, as well as to explain both what it fights, and what she stands for.

Keywords: Education; History of Education; Historical-Critical Pedagogy

 

INTRODUÇÃO

Na atualidade, a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) se constitui na principal teoria pedagógica contra hegemônica existente no Brasil e, quiçá, no mundo. Em outubro de 2019, completa 40 anos de existência, 33 da criação do Grupo de Estudos e Pesquisa do HISTEDBR1, 29 anos da “institucionalização” do Currículo Básico para a Rede Pública de Educação do Paraná2 e 14 anos do Grupo de Pesquisa em História, Sociedade e Educação no Brasil – GT, da Região Oeste do Paraná - HISTEDOPR3.
Nesse percurso, tanto a sociedade como a educação tem passado por profundas transformações, haja vista a passagem do período ditatorial decorrido do Golpe Militar de 1964 à chamada redemocratização, e desta, ao golpe econômico, político, legal, midiático e machista, desencadeado em 2016. A Pedagogia Histórico-Crítica não só vem aprimorando sua fundamentação teórica, como, por meio de inúmeras pesquisas, tem possibilitado ampliar e aprofundar o conhecimento acerca da história da educação e da própria educação brasileira, além de ensaiar experiências práticas em diversos municípios brasileiros.
É claro que a PHC não é a única pedagogia contra hegemônica existente na atualidade. Todavia, talvez seja a única que se constitui efetivamente numa Teoria Pedagógica que se declare explicitamente como contra hegemônica. Enquanto tal, não nasceu pronta e acabada. Contudo, ao longo de sua trajetória foi acumulando reflexões, realizando pesquisas e produções teóricas, seja na forma de monografias, dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos publicados em periódicos, capítulo de livros e livros, além de promover jornadas, simpósios e seminários, de modo que, a partir desse acúmulo, é possível fazer um grande balaço, tanto acerca de sua produção e dos caminhos percorridos, quanto dos objetivos e fins a que ela se propõe.

Em 1991, ao publicar o livro Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações, Saviani chamava atenção para o fato de que, apesar de a Pedagogia Histórico-Crítica ter suas primeiras elaborações em 1979, ou seja, 12 anos antes, ela ainda não se constituía em “uma formulação acabada, completa e definitiva” (Saviani, 2011, p. xx). Tratava-se sim, de primeiras aproximações. Todavia, hoje, depois de decorridos outros 27 anos, poderíamos nos perguntar se agora então ela já está completa, se atingiu sua maturidade e os objetivos a que se propunha.
É inegável a contribuição que a PHC tem dado para a educação brasileira. Sem sombra de dúvida, pode-se afirmar que, caso fizéssemos um exercício de abstração e suprimíssemos sua existência da história da educação brasileira atual, essa história seria simplesmente irreconhecível, não se compreenderia, nem se explicaria.
Entretanto, a despeito desse acúmulo, julgamos que ele ainda é limitado perante as necessidades e os desafios colocados para a educação e para a sociedade no atual momento. Há necessidade de avançar mais, tanto no que se refere à própria compreensão da PHC, seus pressupostos, suas exigências, como em relação à prática pedagógica e também do ponto de vista de sua difusão, expansão e apropriação por parte dos educadores.
Ademais, como a PHC se constitui numa pedagogia materialista histórico-dialética, que compreende a realidade, o mundo e a educação em constante movimento, pressupõe que a educação também considere as condições de cada momento, acompanhando o estágio de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Afinal, é nela que atua e são elas que devem ser transformadas.
De uma iniciativa um tanto individual, iniciada em 1979, pelo Professor Dermeval Saviani, na Pontifícia Universidade Católica, em São Paulo (PUC-SP), a partir de 1986, com a fundação do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” – HISTEDBR, a construção e elaboração da Pedagogia Histórico-Crítica, assume um caráter cada vez mais coletivo. Aliás, sua expansão e saída da “marginalidade”, para tornar-se uma teoria hegemônica, pressupõe a ampliação de sua difusão, conhecimento e apropriação, que seja assumida pela maioria, senão pelo conjunto dos educadores.

Daí a necessidade de um trabalho intencional, sistemático, organizado e planejado, não só no que tange especificamente ao trabalho pedagógico a ser realizado no interior da sala de aula e da organização escolar, mas também na arregimentação de instrumentos e meios para viabilizar sua expansão, propagação e massificação com o objetivo de atingir o conjunto dos educadores, das escolas, dos municípios, dos estados, enfim, do país e, se possível, outros países e o mundo.
Aqui merece destaque, o Grupo de Estudos sobre a Pedagogia Histórico- Crítica organizado pelo HISTEDOPR, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, que por meio de um portal ligado à universidade, possibilita que se organizem grupos de estudos sobre a PHC em qualquer escola, município, estado do Brasil e até mesmo do exterior4.
Entendemos que, como uma pedagogia contra hegemônica não sobrevive se for assumida apenas por um ou alguns educadores ou por uma ou algumas escolas, tendo em vista o conjunto das determinações sociais, a PHC também não subsiste se for implantada e implementada apenas em um só país. Por conseguinte, há que se fazer todo o esforço e empenho para difundi-la e possibilitar sua apropriação pelo máximo de pessoas possíveis, uma vez que, só conseguirá se manter se for assumida e defendida coletiva e massivamente.
Mas, afinal, porque é necessário divulgar, expandir e assumir a PHC como teoria pedagógica? Porque se constitui numa necessidade social. Uma vez que a sociedade é composta pela maioria absoluta de trabalhadores, trata-se também de erigir e implementar uma teoria pedagógica articulada e coerente com essa condição, isto é, articular a escola tendo em vista os interesses dos trabalhadores (Saviani, 2011, p. 62). Noutras palavras, sendo os professores e os alunos, em sua maioria, trabalhadores, é inadmissível que “se coloque em prática” uma teoria, ou que se realize uma prática pedagógica que vá de encontro aos seus interesses e, por conseguinte, que seja contrária aos interesses da maioria da sociedade.
Hoje, no Estado do Paraná, que é considerado o que mais avançou em termos de PHC, apesar de ter sido praticamente sepultada pelos sucessivos governos e de a maioria dos professores conhecerem-na pouco, ela continua presente tanto nas políticas do Estado, na Rede Paranaense de Educação e também nos PPP das escolas. Não obstante, como dissemos, de muitos professores não a conhecerem, praticamente todos já ouviram falar dela.
Sem embargo, como se trata de uma teoria pedagógica contra hegemônica e transformadora, que vai ao encontro dos interesses dos trabalhadores, julgamos importante, senão necessário, fazer uma digressão e resgatar o contexto sócio-histórico em que foi produzida, verificar como e em que momento surgiu, examinar as condições em que se encontra, bem como, averiguar o que ela combate e também o que defende. Iniciemos, pois, pelo resgate do contexto de seu surgimento.

CONTEXTO DE SURGIMENTO DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Nas décadas de 1960, 1970 e meados da de 1980, no período em que foram feitas as primeiras elaborações da Pedagogia Histórico-Crítica, o Brasil e a maioria dos países da América Latina encontravam-se submetidos a regimes ditatoriais, no contexto da Guerra Fria e na vigência do princípio “américa para os americanos”, estabelecido pelos Estados Unidos, em 1823, por meio da doutrina Monroe. Nesse momento, o país estava mergulhado em uma profunda crise social, política, econômica e educacional. A conjuntura era tão terrível que foi provocando a mobilização de um número cada vez maior de intelectuais, educadores, sindicalistas, religiosos, estudantes, economistas, políticos, etc., tendo em vista a busca de saídas e sua superação.
À época predominava a concepção tecnicista de educação, uma espécie de Escola “sem” Partido do período ditatorial, que acabou por provocar a mobilização de muitos educadores que se insurgiram contra a situação e passaram a discutir, organizar-se e ensaiar uma série de teorias pedagógicas, objetivando a resolução dos desafios do período.
Desde os primeiros escritos acerca da PHC, em 1979, até hoje (1918), parece que já se vai uma longa história. Mas, pensemos bem! Apesar de essa trajetória ser deveras significativa, quando dimensionamos que se trata de sair da marginalidade e passar à hegemonia, isto é, de passar da não existência à existência, e desta, à sua difusão, conhecimento e ao trabalho pedagógico de acordo com essa perspectiva pedagógica, vemos que se tem avançado bastante. Todavia ainda resta muito por fazer, sobretudo porque, como mencionamos, não se trata de uma teoria qualquer, nem de apenas mais uma teoria, mas, sim, de uma teoria contra hegemônica que se propõe, não somente a interpretar o mundo de diferentes maneiras, de outras formas, sob “outros olhares”, mas de superar as pedagogias burguesas, de provocar e realizar uma mudança geral e profunda, de sair da marginalidade, tornar-se hegemônica e transformar toda a realidade.

A crise profunda em que o Brasil e a educação estavam metidos fez com que proliferassem uma série de movimentos em busca de alternativas que permitissem sua superação. Dentre eles, mencionamos o Movimento pelas Reformas de Base na Educação (1947-1961); os Centros Populares de Cultura (CPCs) da UNE (1954-1964); os movimentos religiosos católicos (“pastorais”) junto a jovens, por meio da Juventude Universitária Católica (JUC), Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Estudantil Católica (JEC) e Juventude Agrária Católica (JAC) (1954-1964); os movimentos sindicais paralelos, como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) (1954-1964); os Movimentos de Associação de Moradores (MAM) (1954-1964); a criação do Movimento de Agricultores Sem Terra (MASTER), no município de Encruzilhada do Sul, no RS (1960); o Movimento de Educação de Base (MEB), que utilizava o “Método Paulo Freire (1961); os movimentos estudantis, que promovem intensas mobilizações; o movimento pela casa própria (1960-1961); o (intenso) movimento grevista, que promoveu o maior índice de greves da história do Brasil (1961-1964); os movimentos sociais no campo pela Reforma Agrária (1958-1964); a criação das Ligas Camponesas, em 13 estados, liderados por Francisco Julião, com a participação da Igreja e do Partido Comunista Brasileiro (PCB) (1961); a criação da Política Operária – Organização Revolucionária Marxista (POLOP) (1961); a criação do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) (1962), como uma dissidência do PCB, que havia sido criado em 1922; a criação da Ação Popular (AP), que teve grande participação da JUC (1962); o Dia nacional de protesto contra a carestia (1963) e a Criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG (1964).
Isso, por si só, demonstra que o período era de forte efervescência e agitação social. Além desses movimentos, surgiram muitos outros. Em 1968, por exemplo, também foram feitas as primeiras formulações da Teología de La Liberación pelo teólogo peruano Gustavo Gutierrez; em 1984, depois de um período de gestação, que tem como marco o ano de 1979, com a ocupação da Fazenda Sarandi (RS), é criado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), como resultado do Movimento dos Agricultores sem Terra do Oeste do Paraná (MASTRO) e das Ligas Camponesas.

Logo em seguida, no dia 10 de fevereiro de 1980, em São Paulo, no Colégio Sion, após ser restaurado o multipartidarismo, é criado o Partido dos Trabalhadores (PT), como decorrência das lutas iniciadas na década de 1970, protagonizadas por militantes de oposição à ditadura militar, sindicalistas, intelectuais de esquerda, artistas, religiosos ligados à Comissão Pastoral da Terra (CPT) e à Teologia da Libertação.
Pouco tempo depois, em 1983, após muitos embates contra o arrocho salarial e a exploração, os trabalhadores das entidades sindicais mais combativas decidem unificar as forças e criar a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que se transformou na maior central sindical do país.
Nesse período, junto com estes e muitos outros movimentos, articulando e unificando as lutas contra a ditadura, contra a repressão, contra a exploração, contra a carestia, pela melhoria das condições de vida e trabalho, pela participação social, também se fortaleceram os movimentos dos educadores, lutando por uma educação pública, crítica e de qualidade, contra as pedagogias tradicionais, as não-críticas e as crítico-reprodutivistas, numa palavra, contra as pedagogias burguesas.
Em meio a esse contexto, no final da década de 1950 e início dos anos 1960, tendo à frente Paulo Freire, é criada a “Pedagogia da Libertação”, com a finalidade de alfabetizar, estimular a consciência social e lutar contra a pobreza, pela libertação, tendo como base as categorias: opressores, oprimidos, libertação. Todavia, em setembro de 1964, logo após se desencadear o golpe civil-militar, Freire é exilado, interrompendo esse processo de alfabetização crítica.
O golpe militar de 1964 interrompeu o processo que instalaria 20 mil ‘círculos
de cultura’ que atenderia dois milhões de ‘alfabetizandos’. Tinha início uma fase perversa da história brasileira, na qual forças ditatoriais ganharam posições de destaque no cenário político nacional. (Orey; Machado; Ferreira, s./d.).

Partindo do binômio dominante e dominado, Freire acreditava que a educação poderia exercer um papel  importante tanto para possibilitar o acesso à cultura letrada e escrita, como, por meio do processo educativo, ajudar o educando a conhecer o mundo, adquirir consciência social e lutar para se libertar da condição de opressão em que se encontrava5.
Todavia, após abortar o “método Paulo Freire”, substituindo-o, no dia 15 de dezembro de 1967, pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), o governo ditatorial criou e implantou uma proposta de educação acrítica, acética, reacionária, conservadora, descontextualizada, a-histórica,  esvaziada em seus conteúdos, ou seja, uma educação pobre para os pobres.

Com isso, o processo de alfabetização freiriano só pode ser retomado no final da década de 1970 e início de 1980, quando seu idealizador retornou do exílio em 1979, após a “abertura política” ocorrida nesse mesmo ano. Mas, já não mais alcança a dimensão atingida anteriormente.
Pouco tempo depois, entre os anos de 1970 e 1990, Maurício Tragtenberg se destaca como principal expoente da Pedagogia Libertária, defendendo a autonomia dos alunos, a desburocratização das relações e a autogestão como meio de emancipação.
Ainda no período autoritário, no final dos anos 1970 e início da década de 1980, também surge a “Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos”, tendo como principal expoente José Carlos Libâneo, que tecia críticas à pedagogia da libertação, por julgar que ela secundava a importância da transmissão e apropriação dos conhecimentos historicamente acumulados6.
É nesse contexto de inquietação e de mobilizações por parte de muitos indivíduos e segmentos sociais, num período de ebulição, de lutas por mudanças políticas, econômicas, educacionais e sociais, que, no final da década de 1970, em 1979, o Professor Dermeval Saviani também inicia as primeiras elaborações da Pedagogia Histórico-Crítica.

A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA, SUA NOMENCLATURA E SUAS BANDEIRAS

Como se pode perceber, a PHC surge num momento de forte efervescência social, em que muitos trabalhadores, intelectuais, religiosos, artistas e educadores se debatem em busca de saídas para a crise econômica, política, espiritual, moral, educacional que assolava a América Latina e, neste caso, o Brasil.
Inicialmente, Saviani pretendia chamá-la de Pedagogia Revolucionária. Entretanto, como estava no período ditatorial, entendeu que o nome não era o mais adequado. Depois, pensou em denominá-la de Pedagogia Dialética, mas percebeu que poderia ser confundida com as perspectivas idealistas. Por fim, em 1984, cinco anos depois de sua criação, ela recebe sua nomenclatura definitiva – Pedagogia Histórico-Crítica.
De acordo com o autor, o nome surgiu em 1984, quando, atendendo à demanda de um grupo de alunos7 da PUC-SP, ministrou uma disciplina denominada de pedagogia histórico-crítica. Então, a partir daí, adotou essa nomenclatura para a corrente pedagógica que vinha procurando desenvolver.
Cunhei, então, a expressão ‘concepção histórico-crítica”, afirma Saviani, “na qual eu procurava reter o caráter crítico de articulação com as condicionantes sociais que a visão reprodutivista possui, vinculado, porém, à dimensão histórica que o reprodutivismo perde de vista” (Saviani, 2011, p. 61). O objetivo era apreender o movimento histórico que se desenvolve por contradição, tendo em vista a transformação social.
Com isso, o autor buscava não só superar as concepções de educação não críticas e crítico-reprodutivistas, mas também as de conotação idealistas, subjetivistas e pós-modernas. Ressalta: “Situei-me, pois, explicitamente no terreno do materialismo histórico, afirmando-o como base teórica de minha concepção educacional contra as interpretações reducionistas e dogmáticas que a moda estimulava” (Saviani, 2011, p. xix).
Assim sendo, Saviani queria deixar explícito que a PHC não só considera a existência da realidade objetiva, como também advoga o saber objetivo, isto é, a possibilidade de compreender as leis de funcionamento da realidade e da sociedade e convertê-lo em saber escolar. Destarte, o saber objetivo se constitui como elemento central para a educação na perspectiva da Pedagogia Histórico- Crítica.
Ou seja, a origem da PHC está vinculada ao entendimento da necessidade de se adotar um método e formular uma teoria educacional comprometidos com a classe trabalhadora, que possibilite aos educadores realizar uma análise crítica da educação e da sociedade capitalista, que entenda a escola e a educação como determinadas socialmente, mas que tenha como escopo a superação das atuais condições sociais, enfim, que esteja comprometida com a emancipação humana.
Noutras palavras, apesar de, pelas razões expostas, Saviani não ter mantido o nome dessa teoria como teoria revolucionária, entendia a Pedagogia Histórico-Crítica como tal. Afirmava:
[...] a passagem do senso comum à consciência é condição necessária para situar
a educação numa perspectiva revolucionária. Com efeito, é essa a única  maneira de convertê-la em instrumento que possibilite aos membros das camadas populares a passagem da condição de “classe em si” para a condição de “classe para si”. Ora, sem a formação da consciência de classe não existe organização e sem organização não é possível a transformação revolucionaria da sociedade (Saviani, 2000, p. 6).

Mas, em que consiste a passagem do senso comum à consciência filosófica? De acordo com o idealizador da PHC:
Passar do senso comum à consciência filosófica significa passar de uma
concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista a uma concepção unitária, coerente, articulada, explícita, original, intencional, ativa e cultivada (id., ibid., p. 2).

Mas, como Saviani entende a educação? Para o autor, “o trabalho educativo       é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (Saviani, 2011, p. 6).
E como tal, de um lado, cabe  a  escola  o  trabalho  de  identificar  “os  elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo” (id., ibid., p. 13).
Isso, porém, implica em dosá-los e sequenciá-los de modo que a criança passe gradativamente do seu não domínio ao seu domínio. Noutras palavras, a educação se constitui numa mediação no seio da prática social (Saviani, 2011, p. 121). Compete a ela, por conseguinte, não fazer qualquer mediação, mas sim uma mediação que contribua para superação da prática social existente e a construção de uma nova, sem classes e lutas de classes, efetivamente humana.
Como se pode perceber, a Pedagogia Histórico-Crítica não é neutra; aliás, nenhuma teoria educacional o é. Portanto, de um lado, assume uma posição explícita contra a pedagogia de projetos, contra a pedagogia da resolução de problemas, contra as pedagogias não críticas e crítico-reprodutivistas, contra a propriedade privada dos meios de produção, contra a sociedade capitalista e a divisão em classe sociais, contra o liberalismo, nas suas diferentes versões, contra o pós-modernismo, contra as perspectivas idealistas e subjetivistas, contra os Parâmetros Curriculares Nacionais e contra a fragmentação do saber. Também se opõe ao multiculturalismo, à história em migalhas, ao pragmatismo, à educação tradicional, ao escolanovismo, ao tecnicismo e ao neotecnicismo, ao construtivismo e ao neoconstrutivismo, ao positivismo e neopositivismo, ao saber reflexivo, ao pluralismo metodológico, ao ecletismo, à fenomenologia, ao não-diretivismo, ao espontaneísmo, ao relativismo, ao movimento Escola “sem” Partido, à Reforma do Ensino Médio – MP 746/2016, à Base Nacional Comum Curricular, à PEC 241/2016 (55/2016), aprovada como EC 95/2016, que congela gastos, da mesma forma que a todas as demais reformas do golpista governo Temer.
De outro, a Pedagogia Histórico-Crítica não só defende a existência da realidade objetiva para além da consciência dos indivíduos, mas também do saber objetivo, isto é, a possibilidade de conhecer efetivamente o mundo, bem como, de transformar a sociedade objetivamente. Também defende o método materialista histórico-dialético, a socialização dos conhecimentos historicamente acumulados, uma pedagogia histórica e crítica, a centralidade da escola, a relevância e valorização do professor, a necessidade do planejamento escolar e a emancipação humana.

Entendemos que a PHC constitui uma Teoria Pedagógica efetiva e, mais do que isso, numa Teoria Pedagógica transformadora, com “T” e “P” maiúsculos, porquanto se trata de uma teoria que pensa e contempla  a educação no seu conjunto, que se ocupa de todos os níveis e modalidades educacionais, que está amparada em determinados pressupostos, que adota um método, o materialismo histórico-dialético, e tem em vista uma teleologia.
Em síntese, com Saviani pode se afirmar que:
... a pedagogia histórico-crítica é tributária da concepção dialética, especificamente na versão do materialismo histórico, tendo forte afinidade, no que se refere às suas bases psicológicas, com a psicologia histórico-cultural desenvolvida pela Escola de Vigotski. A educação é entendida como ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada individuo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Em  outros termos, isto significa que a educação é entendida como mediação no seio da prática social global. A prática social põe-se, portanto, como o ponto de partida e o ponto de chegada da prática educativa. Daí decorre um método pedagógico que parte da prática social em que o professor e aluno se encontram igualmente inseridos, ocupando, porém, posições distintas, condições para que travem uma relação fecunda na compreensão e no encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social. Aos momentos intermediários do método cabe identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização) dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e solução (instrumentalização) e viabilizar sua incorporação como elemento integrante da própria vida dos alunos (catarse) (2008, p. 421-422).

Todavia, tendo em vista o fim a que se propõe, a emancipação humana, como mencionamos, pressupõe que a PHC seja apropriada coletivamente, por um número cada vez mais de docentes.
Entretanto, a história não é linear. Mesmo depois de uma significativa história, seja em função das manobras governamentais, seja pela falta de consciência de classe por parte dos docentes, de acordo com Baczinski (2008, p. 136):
[...] os professores da rede continuaram sem compreender a proposta, por não
conhecerem e nem se apropriarem das bases teóricas que sustentam essa concepção pedagógica. [...] ainda hoje continua mal compreendida e pouco conhecida, apear de sua riqueza, potencialidade crítica e proposta democrática e transformadora.

Desse modo, perde-se toda a riqueza e potencialidade transformadora  que a PHC pode proporcionar. Daí a necessidade de resgatar o contexto de seu surgimento, bem como, criar instrumentos e meios que permitam difundi-la, recolocá-la em discussão e torná-la conhecida para que seja apropriada pelo conjunto dos educadores, tendo em vista a construção de uma proposta pedagógica articulada e coerente com os interesses dos trabalhadores.
Em suma, produzida no contexto da ditadura, em meio a uma profunda crise, a Pedagogia Histórico-Crítica não se constitui apenas em mais uma teoria educacional, nem numa teoria descompromissada e despreocupada. Antes disso, trata-se de uma teoria que procura compreender a educação e o aluno a partir do contexto sócio histórico, que atribui uma importância fundamental aos conteúdos científicos historicamente acumulados, bem como, aos meios e formas de transmiti-los, tendo em vista não só a compreensão e a  apropriação da realidade no plano do pensamento, mas também objetivando a construção dos meios que possibilitem a transformação social e a emancipação humana.

 

1 Em 1986, um grupo de alunos que cursavam o doutorado na PUC–SP demonstraram o interesse em dar continuidade aos estudos e pesquisas sobre a PHC em seus locais de origem depois da conclusão do Doutorado. Diante disso, juntos com Dermeval Saviani, o idealizador dessa teoria pedagógica, organizaram o HISTEDBR, que atualmente (2018) é constituído por aproximadamente 35 grupos, ou GTs (Grupos de Trabalho) espalhados pelo Brasil.
2 Em 1990, depois de um longo período de trabalhos e discussões acerca da PHC realizadas no Estado do Paraná, iniciada por alunos e ex-alunos de Saviani na PUC-SP, é institucionalizado o Currículo e a PHC é adotada como proposta pedagógica para todo o Estado do Paraná.
3 Um dos GTs que integram o HISTEDBR. 4 O Grupo de Estudos, que é formado por um coletivo de grupos, teve início nessa modalidade no primeiro semestre de 2017, com um grupo. No segundo semestre, conseguimos chegar a 49 grupos, organizados principalmente no Oeste do Paraná. Em 2018, com a organização da plataforma, chegamos a 222 grupos, abrangendo desde o Rio Grande do Sul ao Amazonas, envolvendo 17 estados. O objetivo é fazer uma caminhada de alguns anos nessa mesma direção. Os grupos funcionam na forma de autogestão. Cada um deles conta com um coordenador e um relator que dinamizam os encontros, os estudos e discussões. Toda programação, histórico do grupo, objetivos, justificativas, forma de funcionamento, etc. encontra-se neste endereço: https://www5.unioeste.br/portal/phc/apresentacao-phc 5 Freire defendia que a educação deveria percorrer três passos: o primeiro, o da investigação, em que educador e educando discutem vocábulos e questões de importância para os alunos, de acordo com o grupo ou o meio em que vive. O segundo, o da tematização, é momento da tomada de consciência do mundo, por meio da avaliação dos sentidos  pelas  palavras assumidas. O terceiro é o da problematização, quando o educador motiva os educandos a transcenderem as cosmovisões acríticas e atingirem uma consciência crítica sobre o mundo. Sugere que o processo educativo se inicie pela avaliação das condições linguísticas dos alunos, passe pela seleção de determinados vocábulos, de acordo com a importância fonética, pelo grau de dificuldade e papel sociocultural e político que tem para o grupo envolvido, privilegie a elaboração de textos sobre as vivências dos alunos, elabore fichas com roteiros para discussões e, por fim, produza cartões com palavras significativas e que deverão ser decompostas pelos grupos fonéticos congruentes com os vocábulos criadores.
6 Para mais informações, conferir Orso, P.J. e Tonidandel, S. A Pedagogia Histórico-Crítica e o Currículo Básico para a Escola Pública do Paraná – 1990: do mito à realidade. In. Orso, P. J. et al. Pedagogia histórico-Crítica: a educação brasileira e os desafios de sua institucionalização. Curitiba-PR: Editora CRV, 1914. 7 Doutorandos da PUC-SP, orientados por Saviani: Betty Antunes de Oliveira, que, em 1978, defendeu a tese sobre a Política de formação de professores do ensino superior; Neidson Rodrigues, que, em 1979, defendeu a tese Estado, Educação e Desenvolvimento Econômico; Luiz Antonio da Cunha, que, em 1980, defendeu a tese A Universidade Crítica; Guiomar Namo  Mello, que, em  1981, defendeu a tese: A prática docente na escola de 1º grau: do amor, acusação e bom senso à competência técnica e vontade política, publicada em livro com o título Do compromisso político a competência técnica; Paolo Nosella, que, em 1981, defendeu a tese Pensamento operário: Do momento puramente econômico (ou egoísta-passional) ao momento ético-político  num  estudo  sobre cinco metalúrgicos de São  Paulo; Mirian Warde,  que, em 1984, defendeu a tese  Liberalismo e Educação; Osmar Fávero, que, em 1984, defendeu a tese Uma pedagogia da participação popular: análise da prática educativa do MEB - Movimento de Educação de Base (1961-1966) e Carlos Roberto Jamil Cury, que, em 1979, defendeu a tese Educação e contradição: Elementos metodológicos para uma teoria crítica  do  fenômeno  educativo.  Aliás,  segundo  o  próprio  Saviani, o nome Pedagogia Histórico-Crítica teria sido inspirado na tese de Cury.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Baczinski, A. V. de M. A. (2011). Implantação oficial da Pedagogia Histórico-Crítica na rede pública do Estado do Paraná (1983-1994): legitimação, resistências e contradições. Campinas: Autores Associados,
Orey, D.; Machado, J. P. R.; Ferreira, R. (2013). Homenagens: Paulo Reglus Neves Freire. s.d. Disponível em: http://www2.fe.usp.br/~etnomat/homenagens-paulo- freire.shtml Acesso em: 22 nov.
Orso, P. J.; Tonidandel, S. (2014). A Pedagogia Histórico-Crítica e  o Currículo Básico  para a Escola Pública do Paraná – 1990: do mito à realidade. Em. Orso, P. J. [et al]. Pedagogia histórico-Crítica, a educação brasileira e os desafios de sua institucionalização. Curitiba-PR: Editora CRV.
Saviani, D. (1989) Sobre a natureza e a especificidade da educação. Comunicação apresentada em mesa redonda. Brasília.
            . (1991) Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. Campinas-SP: Autores Associados
            . (2000). Educação: do senso comum à consciência filosófica. Campinas, SP: Autores Associados.
            . (2011). Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas, SP: Autores Associados.
             . História das Ideias Pedagógicas no Brasil. 2 Ed., Campinas, SP: Autores Associados, 2008